Eventos extremos acionam o gatilho da memória. Isso porque as emoções capturam a atenção e registros armazenados são trazidos à tona, em forma de lembranças ou por meio de associações. O desastre natural no Rio Grande do Sul é um desses. Tanta água e, mais uma vez em evidência, a sua força poderosa. O ciclo e importância desse elemento vital, em vários contextos, foram poetizados pelo compositor Guilherme Arantes, em Planeta Água: “nasce serena, transforma-se em riacho, deságua em rios, banha aldeias, forma cascatas e retorna humildemente ao solo“, com sua capacidade de renovação. Como na música, evocada em episódios relacionados ao tema, esse é o fim aguardado pela população: o recuo das águas após uma inundação que deixa mortos, feridos, desaparecidos e milhares de desabrigados e desalojados.
A tragédia no Sul do país resulta de uma conjunção de fatores, dizem estudiosos do clima. O meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operação e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) esclareceu, em entrevista à TV Brasil, que “a onda de calor localizada na região central do Brasil, com alta pressão atmosférica, leva à formação de ar seco e quente, que acaba por bloquear a passagem das frentes frias para o norte do país“. Também não se descarta a hipótese de que as chuvas torrenciais sejam reflexo do El Niño, que estaria em fase final, nem se desconsideram as particularidades geográficas e geológicas da Região. Não por acaso, órgãos competentes emitiram antecipadamente alerta sobre riscos e é público que a falta de prevenção permitiu que a situação fôsse intensificada.
Catástrofe sem precedentes
Até a inundação de 2024, a ocorrida em 1941 tinha sido a maior da história do Rio Grande do Sul. Na época, temporais atingiram cidades gaúchas por 35 dias. A calamidade atual já afeta mais de um milhão de cidadãos em todo o estado, sem se antever desfecho para breve. A Defesa Civil do Rio Grande do Sul atualiza, com frequência, um balanço de ocorrências ⎯ situação dos municípios, vítimas, níveis dos rios, serviços essenciais interrompidos, hospitais, pontos de bloqueio (estradas e aeroportos) etc. São números que não convém citar aqui ⎯ até a leitura desse artigo, já estariam ultrapassados ⎯ mas que deveriam ser conhecidos para que se entenda a proporção da tragédia. O impacto na produção agrícola, indústria local e exportação já se faz sentir e os efeitos deverão repercutir, por longa data, na economia. É possível que a reconstrução dependa mais de ações da população civil do que da vontade política, haja vista a comoção e espírito de cooperação de brasileiros e estrangeiros, se comparadas à ineficiência de governos. Foto Fonte: https://sbcomunicacoes.com.br/tragedia-no-rio-grande-do-sul-como-criancas-chegam-sao-recebidas-e-cuidadas-em-abrigos-durante-enchentes/
Como envolver as crianças
Informar adequadamente. Diante das notícias recebidas, há quem se predisponha e rapidamente organize doações, em família. Crianças pequenas devem participar do processo, mas não conseguem filtrar a enxurrada de informações. E, a considerar a manipulação feita por veículos de comunicação, numa guerra por números de audiência para gerar lucros e influenciar ideologias, os responsáveis devem ficar atentos para que as criancas não sejam expostas a um "show" e conversar do seu jeito, sobre os acontecimentos. É a melhor forma de poupar o seu filho da alienação ou desinformação. Mesmo porque, crianças querem saber a razão de tudo o que acontece e é importante revelar a elas que não se têm respostas, ainda, para todas as perguntas. Assim como grupos veem em mudanças climáticas as causas de eventos naturais extremos, religiosos acreditam que esses sejam uma convocação de Deus ao arrependimento humano, enquanto outros entendem a Terra como um sistema fisiológico dinâmico que se autorregula, questionam se tais catástrofes seriam frutos de ações intencionais ou as atribuem a programas e tecnologias emergentes, que atuam no meio ambiente, compensando parcialmente alguns dos impactos ambientais (Geoengenharia). Só o futuro poderá elucidar. E os pais e responsáveis saberão explicar essas variáveis por meio de linguagem inteligível para os pequenos.
Fomentar a empatia. Esclarecer que doar não significa descartar, encher sacos de objetos sem utilidade para repassar “a quem precisa“. Muitos já fazem isso e talvez nem fôsse preciso enfatizar. Apenas um lembrete de que criancas gostam e precisam de repetições, pois é assim que aprendem mais facilmente. A doação deve ser consciente, motivar uma reflexão sobre o estado em que as pessoas afetadas por uma catástrofe podem se encontrar, depois de terem perdido entes queridos, pertences, meio de vida, até crenças. Não só de pessoas, como o de animais, sejam eles ou não de estimação. Vale frisar que pequenas ações em geral não se destacam, mas geram uma onda de generosidade e amor que beneficia a todos os envolvidos. O propósito da doação não está apenas na solução do problema, mas em se assumir uma postura ativa, servindo de instrumento para remediar o sofrimento alheio, com práticas altruísticas. As crianças têm capacidade de compreender a diferença.
Buscar juntos meios de ajuda. A depender do local e da situação em que cada um se encontra, existem diferentes formas de contribuir. Pais podem dar sugestões, ouvindo e considerando as das crianças. Assim, encontram-se alternativas em conjunto. A oportunidade pode servir para “abrir o cofrinho“ e transferir qualquer valor financeiro a voluntários ou instituições que estejam atuando na linha de frente; classificar e reunir itens essenciais para a sobrevivência e bem-estar das pessoas, que podem ser entregues em pontos de coleta; unir-se em orações pelas vítimas, emanando bons sentimentos. Para Alex Carrel, médico ganhador do prêmio Nobel de fisiologia ou medicina em 1912, cujos experimentos pioneiros criaram os alicerces para as técnicas modernas de transplante de órgãos e de cirurgia cardiovascular, os benefícios da oração são visíveis, tanto para o corpo como para a alma: “Mesmo quando a oração é de baixo valor e consiste, principalmente, na recitação mecânica de fórmulas, ela exerce um efeito sofre o comportamento. Ela fortalece simultaneamente o senso do sagrado e o senso moral.“
Lembrar que TODAS as vidas importam, não apenas a de determinados grupos e indivíduos. A calamidade no Rio Grande do Sul mostra que parte da sociedade, em meio aos esforços de resgate e assistência aos atingidos, preocupa-se excessivamente com animais. Há pessoas movidas por compaixão; outras pela relação utilitária que mantém com os bichos, seja de criação e venda. Nenhuma crítica aos que são mais propensos aos animais do que ao ser humano; eles têm provavelmente os seus motivos. Crianças, entretanto, devem ser educadas para tratar os animais com respeito e valorizar a vida humana, dado que o ser humano é dotado de razão e inteligência, é capaz de controlar os próprios instintos, tem poder de analisar, planejar e executar atividades, inclusive em prol de outras espécies. Sempre existirá aquele que age em seu próprio benefício; fazer, porém, da exceção a regra é inverter valores.
Foto fonte: https://www.leiaja.com/noticias/2024/05/11/cachorro-idoso-ilhado-no-rio-grande-do-sul-e-resgatado/
Promover a tolerância à frustração. É comum, em situações de contingência, que pessoas envolvidas apresentem níveis elevados de estresse. Nem sempre elas manifestam sentimentos, ora guardados em silêncio. Independentemente disso, manter a calma diante das circunstâncias e lidar com emoções desagradáveis é aprendizado valioso. As novas gerações também desconhecem muitos dos problemas enfrentados no passado e acostumaram-se a ter os seus desejos atendidos de forma mais imediata. Diante da crise política e moral que assola o Brasil, iniciativas civis podem não fluir como o planejado. Suspeitas de desvio de doações são constantemente divulgadas, o que frustra. No entanto, não há hora específica para que desvios, fraudes e crimes sejam evidenciados, daí a importância em focar na boa intenção para uma mudança de cultura e via de transformação. Mais importante é cada um fazer a sua parte.
Em síntese, mesmo nas situações mais difíceis, sempre é possível fazer algo, quando se tem boa vontade. Essas ações moldam a forma como a criança se vê e percebe o seu semelhante, como interage com outros seres e com as novas tecnologias, estimulam a autonomia, o respeito à natureza, o consumo e aproveitamento de recursos, de modo consciente, e servem como ensinamentos para torná-la um adulto mais responsável.
Referência:
VÍDEO: MORADORES DO RS ENFRENTAM A DIFÍCIL MISSÃO DE LIMPAR A DESTRUIÇÃO CAUSADA PELAS CHUVAS. Rede Record. Domingo Espetacular, 13 maio.2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lCiVNJn70xM. Acesso em 16 maio.2024.
A ODE À VIDA NO 'PLANETA ÁGUA' de Guilherme Arantes. Letras: Planeta Água, Guilherme Arantes. Disponível em: https://www.letras.mus.br/guilherme-arantes/46315/significado.html. Acesso em 11 maio.2024.
CHUVAS NO RS: POR QUE CHOVE TANTO NO ESTADO? ENTENDA AS CAUSAS. Agência Brasil, Brasília, 03 maio.2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-05/tragedia-por-que-chove-tanto-no-rio-grande-do-sul-ate-quando. Acesso em 08.05.2024.
STAUDT, Leandro: Quanto tempo durou a enchente do Guaíba em 1941. GZH, 2014. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/leandro-staudt/noticia/2024/05/quanto-tempo-durou-a-enchente-do-guaiba-em-1941-clvwh3ywz001q011h5yrdhyeh.html. Acesso em 08 maio.2024
DEFESA CIVIL ATUALIZA BALANÇO DAS ENCHENTES NO RS - 13/5, 9h. Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: https://estado.rs.gov.br/defesa-civil-atualiza-balanco-das-enchentes-no-rs-13-5-9h. Acesso em 13 maio.2004.
RISCOS DA GEOENGENHARIA PARA GERIR CLIMA PREOCUPAM COMISSÃO EUROPEIA. Euronews, 2023. Disponível em: https://pt.euronews.com/my-europe/2023/06/28/riscos-da-geoengenharia-para-gerir-clima-preocupam-comissao-europeia. Acesso em 08 maio.2024.
CONHECA o HAARP, PROGRAMA DE PESQUISA AMERICANO PARA ESTUDAR A IONOSFERA. Tecmundo, 2016. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/tecnologia-militar/8018-haarp-o-projeto-militar-dos-eua-que-pode-ser-uma-arma-geofisica.htm. Acesso em 08 maio.2024. CARREL, Alexis: Oração: Poder e Efeitos. Tradução e notas: Evelyn Tesche. 1ª Edição. São Paulo: Mantra, 2015.
Commentaires