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Vida, morte e fantasia: como conversar com crianças sobre a perda

  • Foto do escritor: Edilene Florentino Jäger
    Edilene Florentino Jäger
  • 2 de nov.
  • 8 min de leitura

Atualizado: há 7 horas

Ilustração de capa do livro Die Reise nach Ugri-La-Beck (Beltz & Gelberg, 1992)
Ilustração de capa do livro Die Reise nach Ugri-La-Beck (Beltz & Gelberg, 1992)

Max e Jule não encontram o avô em nenhum lugar do apartamento, que está vazio: a cama, a poltrona, o banheiro, a despensa, a geladeira… tudo. "E mamãe não quer dizer nada. E papai não sabe de nada."

Eles pensam que o avô foi embora para outro país e precisa trabalhar, mas esqueceu os óculos. Max e Jule, com Wiff, o cachorro atento, decidem resgatar o avô. Levam bolo de gengibre, óculos e bilhetes de loteria no trenó. Viajam por muito tempo, atravessando o campo de futebol escuro e planícies áridas onde ninguém moraria ou andaria de bicicleta.

O avô se perdeu na floresta, provavelmente porque não podia ver, e o cachorro encontra suas pegadas em zigue-zague. De longe, ouvem os pais chamando, mas, depois de uma noite fria, chegam a um mundo colorido e ensolarado e continuam sua busca.

Atrás do rio escuro, onde os pássaros negros gritam, encontram, no meio do nada vasto e gelado, a aldeia de Ugri-La-Brek. Lá, veem as pantufas do avô e o encontram sentado na janela da menor casinha. Finalmente, diante dele, perguntam: "É você, vô?" Ouvem que ele está confortável, percebem que não precisa mais de nada e entendem que ele se foi, não por causa de Max e Jule, "sempre subirem e descerem a escada batendo os pés". Com isso, voltam tranquilos.

Max e Jule agora sabem a verdade, mas não dizem nada. No mágico conhecimento da fantasia infantil, vida e morte coexistem em harmonia.


(Do original sueco “Die Reise nach Ugri-La-Brek” - em português, “A viagem para Ugri-La-Brek”-, de Thomas Tidholm e Anna-Clara Tidholm. Recebeu, em 1992, o Deutscher Jugendliteraturpreis, prêmio alemão de literatura infantil, concedido anualmente às melhores obras internacionais, com o objetivo de fornecer às crianças literatura de qualidade que as ajude a crescer).



Diálogo necessário na infância - A morte faz parte da nossa existência. Como diz a expressão popular, “a morte é a única certeza que se tem na vida”; portanto, o diálogo e a reflexão são fundamentais para que possamos ter uma relação saudável com o tema. Em algumas sociedades, o assunto ainda é tabu — uma resistência alimentada pelo desconhecimento do que virá, pelo medo da dor do luto e pela consciência de nossa própria finitude.

No Brasil, com o aumento da criminalidade, operações policiais recentes, como a ocorrida no Rio de Janeiro, e a instabilidade política e jurídica, a morte se torna parte do dia a dia. E muitas crianças não conseguem ser afastadas do noticiário, sendo expostas a um tema que, embora presente na vida, ainda é difícil de compreender plenamente.

Por isso, existem algumas regras básicas para falar sobre a morte com crianças:

  • Apenas responder às questões que a criança fizer

  • Atender às perguntas de imediato e com sinceridade

  • Não confrontar a criança

  • Tranquilizá-la, assegurando que continuará a ter um lugar seguro na família

  • Oferecer afeto e suporte contínuo

Falar sobre a morte exige sensibilidade, paciência e presença. Quando feito com cuidado, ajuda a criança a entender, conviver e integrar a perda à vida, sem medo ou trauma desnecessário.


Como as crianças vivem o luto


A morte faz parte da vida — mas como as crianças a compreendem?

Embora o tema ainda seja difícil para muitos adultos, as crianças têm uma força natural para lidar com o luto. Elas costumam encarar a morte com curiosidade e sinceridade, sem os tabus que os adultos carregam.

Mesmo os bebês e as crianças pequenas sentem e reagem à perda. O modo como vivem o luto, porém, muda conforme a idade:

Até os 5 anos: a morte como uma viagem

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Nessa fase, a criança ainda não entende bem o tempo nem a ideia de “para sempre”. A morte pode parecer apenas uma viagem, algo temporário.

Elas fazem perguntas, observam o comportamento dos adultos e sentem profundamente o clima emocional ao redor. Por isso, o acolhimento, o toque e a escuta valem mais do que explicações longas.

De 5 a 8 anos: começando a entender

Entre cinco e oito anos, as crianças começam a compreender que a separação é definitiva. Percebem que o corpo deixa de existir e que a morte é algo real.

Nessa fase, podem surgir medos e fantasias — como pensar que a morte é um castigo por algo errado ou dar “forma” a ela em figuras como fantasmas.

Também podem sentir medo de perder outras pessoas queridas. Conversas sinceras e carinhosas ajudam a transformar o medo em compreensão.


A partir dos 8 anos: um olhar mais maduro

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Por volta dos oito anos, as crianças passam a entender que a morte é irreversível. Elas desenvolvem uma visão mais racional e começam a lidar com o tema de forma semelhante aos adultos — embora superem com mais facilidade, pois mantêm uma forte ligação com a vida e um grande desejo de viver.

Nessa idade, também costumam surgir primeiras ideias sobre o que pode existir depois da morte.

A partir dos 12 anos: emoções em tempestade

Com o início da puberdade, tudo muda: surgem intensas oscilações de humor e reflexões sobre a vida — e, inevitavelmente, também sobre a morte.

O luto nessa fase pode despertar sentimentos de culpa, raiva ou solidão. Em alguns casos, o impulso vital (o forte desejo de viver) pode se misturar a sentimentos confusos, levando a pensamentos suicidas ou a fantasias de punição, muitas vezes voltadas, por exemplo, aos pais.


Alguns fatores tornam esse momento ainda mais delicado:

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  • Recolhimento e necessidade de privacidade: a busca por identidade muitas vezes leva o adolescente a se isolar e passar mais tempo sozinho. Meninas, em especial, podem sentir tristeza profunda, que às vezes evolui para depressão, pensamentos suicidas ou transtornos alimentares. O diálogo e o contato com a vida são essenciais para ajudá-los a sair desse retraimento.

  • Distanciamento da família e sentimentos de culpa: o afastamento da família e a crítica às normas e autoridades podem gerar fortes sentimentos de culpa quando ocorre a morte de um parente.

  • Pressão social entre os meninos: a necessidade de aceitação no grupo pode levar os garotos a não demonstrar tristeza, por medo de parecerem “fracos”. É importante mostrar que expressar emoções é saudável e que compartilhar a dor faz parte do crescimento.

  • Busca de sentido e intensidade emocional: nesta fase, o desejo de viver é muito forte, mas também podem surgir dúvidas sobre o sentido da vida — chegando, às vezes, ao desejo de morrer quando não encontram sentido na existência. Enfrentar a perda de um ente querido pode mergulhá-los em um verdadeiro caos emocional, mas o apoio, o diálogo e a presença ajudam a atravessar esse período.


Resumindo: Em qualquer idade, presença é o que conforta. Cada criança vive o luto à sua maneira — com perguntas, silêncios, lágrimas ou brincadeiras. O mais importante é acolher com paciência, responder com honestidade e permitir que ela sinta e manifeste suas emoções. Falar sobre a morte não interfere na magia da infância, nem significa dizer que o momento não seja apropriado; pelo contrário, mostra que o amor continua mesmo depois da perda.


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Consequências para lidar com crianças

1. Não evitar perguntas – tentar responder

“Por que a vovó morreu?”

Será que conseguimos ouvir, por trás das perguntas das crianças, a verdadeira questão? Será que não estamos colocando nossas próprias perguntas nas perguntas da criança? Será que ela quer um diagnóstico médico? São necessárias respostas teológicas ou filosóficas?

Por trás de muitas perguntas das crianças sobre a morte, está apenas a dor pela perda e pelo sentimento de abandono. Mas isso, na verdade, nem é mais uma pergunta, e sim uma constatação. Por isso, muitas respostas acabam passando ao largo do que a criança realmente precisa e do que seria bom para ela.

Nesse sentido, a resposta para a pergunta “Por que… morreu?” muitas vezes é:

“Eu sei que você está triste. Eu também estou. Mas fico feliz por ter você comigo.”

E, na verdade, basta abraçar a criança — a mensagem já foi transmitida.


2. Ser sincero

“Onde está o vovô agora?”

Responder: “O vovô se foi” pode gerar mal-entendido, pois a criança pode interpretar literalmente e pensar que ele ainda voltará. Por isso, o adulto pode complementar, mostrando a realidade de forma segura:

“Mas ele não volta. Colocamos o corpo dele no túmulo e esperamos que o vovô agora esteja com Deus, em um lugar que não podemos ver.”

3. Ajudar a evitar que o medo se instale

“Como é quando se está morto?”

Podemos dizer algo como:

“Eu acredito que, quando alguém morre, não sente mais dor, que está com Deus, que ama as pessoas, e que lá é iluminado e bonito.”


4. Admitir quando não sabemos

Não é preciso dizer em que você acredita, tampouco negar nada. Também  nao é necessário ter todas as respostas. É válido dizer:

  • “Eu não sei. Mas espero que seja assim…”

  • “Quero perguntar a alguém que saiba mais sobre isso.”

  • “Quero pensar sobre isso e depois conversamos novamente.”


5. Praticar rituais de homenagem

  • Ir ao túmulo

  • Acender uma vela

  • Criar um “cantinho da lembrança”

  • Escrever uma carta

  • Levar flores ao túmulo ou ao local do acidente

  • Visitar lugares importantes para quem se foi


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*Este texto foi traduzido e adaptado por Edilene Florentino Jäger especialmente para o site Sua Criança Consciente, com o intuito de oferecer uma reflexão sensível sobre como as crianças vivem o luto.

Baseado em material pedagógico alemão, de autoria não identificada.© 2025 Sua Criança Consciente


                     O Caminho do Luto – Fases do Luto

Falar sobre a morte com crianças é um desafio que pais e educadores enfrentam em algum momento. Não apenas no ambiente familiar, mas também na escola, que é um espaço de convivência e vínculos, a perda pode se fazer presente — seja pela morte de um parente, de um colega, de um animal de estimação ou até de uma figura destacada na comunidade. 

Compreender o processo do luto ajuda o educador a reconhecer como as crianças vivenciam a perda e a oferecer apoio emocional adequado, respeitando o tempo, a linguagem e a forma de cada uma expressar sua dor.

O texto a seguir apresenta, de maneira acessível, o Ciclo do Luto desenvolvido por Petra Hugo (TrauerWege e.V.) numa forma de espiral (imagem acima), servindo como ponto de referência para entender as reações e os processos de luto.

1. Fase da Negação 
Notícia da morte → Compreender a morte como realidade

No início, é comum que a mente recuse a realidade da perda. A pessoa, especialmente a criança, pode parecer indiferente, confusa ou acreditar que a pessoa falecida vai voltar. Esse mecanismo ajuda a proteger-se da dor intensa que a notícia provoca.

2. Fase das Emoções Emergentes
Dor do luto → Vivenciar e expressar a dor da perda

Quando a realidade começa a ser aceita, surgem emoções fortes: tristeza, raiva, medo, culpa e desamparo. É um momento importante para que a criança (ou o adulto) possa sentir e expressar o que está acontecendo — por meio de palavras, desenhos, brincadeiras ou silêncio.

O papel do educador é acolher essas expressões com empatia e paciência, sem forçar o esquecimento.

3. Fase da Busca e da Separação
Recordação e despedida → Ajustar-se a um mundo em que a pessoa falecida não está mais presente

A criança pode procurar a pessoa perdida em lembranças, sonhos ou perguntas (“Onde ele está agora?”). Aos poucos, vai aprendendo a se despedir e a viver com a ausência. 

Os educadores podem ajudar oferecendo espaços de memória — conversas, atividades artísticas, leituras — que permitam elaborar essa separação de forma saudável. 

4. Fase do Novo Relacionamento Consigo Mesmo e com o Mundo
Caminho de volta à vida → Recuperar forças e energia emocional

Com o tempo, a dor se transforma. A lembrança permanece, mas começa a coexistir com o desejo de seguir vivendo, abrindo-se a novos vínculos e experiências. O luto, assim, pode se tornar um processo de crescimento e renovação emocional, não de esquecimento.

Um Caminho em Espiral, Não em Linha Reta
O luto não é um processo linear com começo, meio e fim. Ele se desenvolve em espiral, com idas e vindas entre as fases. Os sentimentos podem reaparecer mesmo depois de longos períodos de calma, especialmente em datas significativas ou mudanças importantes na vida da criança.

Por isso, o “caminho do luto” é mais do que uma sequência de etapas: é um movimento contínuo que ajuda o enlutado a integrar a perda como parte de sua história e a reconstruir seu sentido de vida. Acompanhar esse processo com amor é uma das formas mais humanas de educar.




 
 
 
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Edilene Florentino Jäger

Jornalista e educadora, com especialização no desenvolvimento infantil de zero a três anos de idade. Desde 2006 integrando equipes pedagógicas de instituições de educação infantil, na Alemanha.

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