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Livros: como crianças percebem e absorvem narrativas

Atualizado: 6 de ago. de 2022


Quem já não leu ou ouviu falar do livro “Poliana“ (original “Pollyanna“), um clássico da literatura infanto-juvenil? Publicado pela primeira vez em 1913, ele foi escrito por Eleanor H. Porter (1868-1920) e conta a história de uma menina de 11 anos, que era órfã de mãe. Após a morte do pai, ela foi morar com uma tia rica e austera, com a qual nunca tivera contato anteriormente. Em seu novo lar, a menina passa a ensinar o "jogo do contente", que aprendera com o pai, e consiste em ver um lado positivo em tudo o que acontece, mesmo nas coisas aparentemente mais desagradáveis.


Poliana relata que tudo teria começado quando ela quis uma boneca. Seu pai havia feito o pedido de compra mas, ao receber a encomenda, dentro da caixa não havia uma boneca e sim um par de muletas. No início, a menina não teria visto nenhuma razão para alegria, entretanto seu pai lhe disse que deveria ficar contente justamente porque não precisava das muletas. Com essa conduta, Poliana foi aos poucos transmitindo otimismo à sua nova vizinhança e, em certo ponto, até sua tia se deixou contagiar pelas suas atitudes.


O conto ganhou fãs no mundo inteiro - as pessoas viram em Poliana a própria personificação do otimismo - e no Brasil foi adaptado para a TV. No entanto, como enuncia a terceira lei de Newton, “a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade“ e o efeito desse padrão de comportamento acabou merecendo uma interpretação mais profunda.


“Essa personagem foi o que norteou os psicólogos Matlin e Stang a analisar a influência do pensamento positivo exacerbado em nossas vidas: o polianismo. Em um estudo divulgado na década de 1980, eles chegaram à conclusão de que pessoas extremamente positivas demoram muito mais tempo para identificar eventos desagradáveis, perigosos e tristes. Ou seja, é como se houvesse um descolamento da realidade, há um certo tipo de cegueira momentânea, mas não permanente. Dito de outra forma, é como se o indivíduo optasse por ver somente o lado positivo de todas as situações“. (PSICANÁLISE CLÍNICA, 2021).


Matlin e Stang não foram os primeiros, como explica a fonte citada, a descrever esse distúrbio. No ano de 1969, Boucher e Osgood já haviam usado o termo hipótese de Poliana. “Pessoas que têm a síndrome de Poliana, ou do chamado viés de positividade, tem uma grande dificuldade em armazenar memórias negativas de seu passado, sejam traumas, dores ou perdas. Para essas pessoas, suas memórias sempre aparecem mais suavizadas, ou seja, suas lembranças são sempre positivas e perfeitas. Embora muitos profissionais utilizem esse método, de olhar todos os problemas sob uma ótica positiva, outros não veem com bons olhos, porque o foco exclusivo em uma vida 100% otimista pode causar problemas no enfrentamento das dificuldades diárias“.


Curiosamente, Harry Potter, o menino que descobre seus talentos paranormais e vai estudar numa escola de magia e bruxaria, também tinha 11 anos de idade, quando começou a sua saga. Aliás, o nome escolhido pela escritora britânica J. K. Rowling para seu personagem fictício - Harry Potterlembra o da autora de “Poliana“. Coincidência ou não, a protagonista do conto “Alice no País das Maravilhas“, publicado em julho de 1865, tinha também 11 anos, quando embarcou em uma viagem para um mundo onde tudo parecia ser diferente daquilo que ela conhecia.


A história de Alice foi escrita por Lewis Carroll, pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson, considerado precursor da chamada “literatura nonsense“- gênero literário que subverte os contos de fadas tradicionais, criando narrativas sem lógica. Um resumo publicado na Internet por Carina Marcello, mestre em Estudos Literários, conta que Charles inventou a narrativa para entreter as filhas do amigo Henry George Liddel (Loriny, Edith e Alice), durante um passeio de barco pelo rio Tâmisa. A obra seria aberta a inúmeras interpretações e teorias e teria um lado sombrio, pois várias fontes apontam o estranho interesse do autor por crianças e seu hábito de desenhar e fotografar meninas, muitas vezes seminuas. Um video da "Fatos Desconhecidos", divulgado no Youtube, refere-se ao conto como resultado da relação entre um adulto e uma criança, que teria gerado uma série de polêmicas, algumas delas até mesmo sobre pedofilia.


Os livros citados dão uma pequena mostra de como a literatura dedicada à criança e ao adolescente, ao mesmo tempo que proporciona recreação e informação, pode influenciar no desenvolvimento social, emocional e cognitivo. De quebra, evidencia como o 11, inclusive na literatura infantil, se confirmou como um número bastante sugestivo, de modo a simbolizar uma mensagem oculta.


A terceirização da mente da criança


O poder educativo dos livros está na forma como a criança percebe essas narrativas, absorve o conteúdo e cria suas “bolhas de realidade“. A arte literária estimula a imaginação infantil, trabalha emoções, internaliza conceitos e sentimentos. “Quando as crianças não têm nas suas casas um acesso facilitado ao livro ou quando este não tem qualquer valor para o agregado familiar, terá de ser o trabalho do professor ou do animador da biblioteca a chave de entrada no mundo da leitura de prazer e de descoberta“, alerta o escritor Rui Marques Veloso, em sua “Não-receita para escolher um bom livro“. O resultado é a terceirização da mente da criança, que traz graves problemas não só para ela e seu núcleo familiar, como para toda a sociedade.


Concordo com a noção de que um educador empenhado em desenvolver diferentes competências nas crianças sob a sua guarda deve estabelecer critérios claros para os livros que lhes oferece, indicando textos que alarguem a capacidade imaginativa e reflexiva do receptor infantil, estimulando a sua sensibilidade artística, e que lhe permitam apurar o gosto. Isso porque, como refere Veloso, o gosto da criança "ainda não existe de forma sustentada, tendo em conta as reduzidas vivências e o limitado conhecimento experiencial que alimentam um espírito crítico ainda em formação". (SCIELO BRASIL, 2016).


Literatura: experiência acumulada e narrada da vida


O valor da literatura é continuadamente destacado e o professor Olavo de Carvalho foi, para mim, um dos mais eloquentes no incentivo à leitura. Ele era de opinião de que o leitor deveria começar conhecendo os personagens da sua própria cultura: “Quem não consegue interpretar uma obra de literatura corretamente não conseguirá jamais entender os fatos da história e da sociedade, ou mesmo os da sua própria vida. A imaginação tem que ser treinada para se tornar um instrumento de compreensão da Realidade e não uma atividade ociosa que vai fazer você ficar especulando sobre coisas que não vão acontecer jamais, que não têm a menor possibilidade e que são somente um jogo.“


A exposição suscita a lembrança do “jogo do contente“, que embota o discernimento, criando mentes sonhadoras, alienadas, incapazes de reagir aos acontecimentos. Para Olavo de Carvalho, a literatura não seria a compreensão das ciências, nem da sociedade, nem de algo em particular, mas simplesmente experiência acumulada e narrada da vida. “Cultura pessoal não é você ler um monte de livros, não é ser capaz de falar sobre arte, sobre filosofia, sobre história etc., mas é você ter um conjunto de equipamentos que lhe permita olhar a situação real, tanto a situação pessoal quanto a da comunidade imediata, quanto a de um país, quanto a do mundo inteiro com uma multiplicidade de perspectivas que validem a sua visão perante a consciência de outras épocas e de outras civilizações.“


Cada pessoa, no meu entender, pode formar esse “conjunto de equipamentos“ com elementos da sua própria história (individuais) e da sua história enquanto Nação (coletivos). Registros do passado, valores éticos e morais, o conhecimento das leis, das crenças, da sabedoria popular, que emana da oralidade (mitos, lendas, manifestações artísticas) são instrumentos que permitem às pessoas avaliar situações e decidir qual atitude tomar diante dos contextos que lhes são apresentados. Essa capacidade é inerente ao cidadão com potencial de transformação da sociedade na qual está inserido.


(Esse artigo foi escrito entre março e abril de 2021. Esperava concluí-lo, não com citações, mas com respostas a perguntas, que eu mesma desejava fazer ao professor Olavo de Carvalho. Infelizmente, nao pude conhecê-lo, tampouco entrevistá-lo. Guardo grande admiração e respeito pelo seu trabalho, pela sua agudeza de espírito e coragem de ter nos levado em uma viagem de descobrimentos, sem volta. A ele, minha breve homenagem).


Referência:


LITERAMA. Como funciona o Jogo do Contente? Disponível em: https://literama.com.br/jogo-do-contente/


FOLHA DO MATE. O jogo do Contente. Disponível em: https://folhadomate.com/variedades/na-pilha/o-jogo-do-contente/


PSICANÁLISE CLÍNICA. Síndrome de Poliana. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/sindrome-de-poliana/


MARCELLO, Carolina. Alice no País das Maravilhas: resumo e análise do livro. CULTURA GENIAL. Disponível em: https://www.culturagenial.com/livro-alice-no-pais-das-maravilhas-lewis-carroll/


FATOS DESCONHECIDOS. A polêmica história por trás de Alice no País das Maravilhas. Apresentação de Mauricio Santos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xoJ4bOrgVJo&t=107s


SCIELO BRASIL. Dossiê Literatura, infância e espaços escolares. Literatura para a infância no jardim de infância: contributos para o desenvolvimento da criança em idade pré-escolar. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73072016000200115


VELOSO, Rui Marques. Não-receita para escolher um bom livro. CASA DA LEITURA. Disponível em http://www.casadaleitura.org/portalbeta/bo/abz_indices/000721_NR.pdf


OLAVO DE CARVALHO – NOTAS DAS REDES SOCIAIS REUNIDAS, 2019. A importância da literatura. Por Marie Asmar. Disponível em: https://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2019/07/25/




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