“Qual é a primeira coisa que você faz ao acordar para comecar bem o dia: toma uma ducha fria ou um café quente?”, perguntam Christel Langlotz e Bela Binguel, logo na abertura do livro “Crianças amam rituais” (“Kinder lieben Rituale”, Ökotopia Verlag, 2008), chamando a atenção para a quantidade de pequenas ações ritualizadas que fazem parte do nosso dia a dia. “Ou você pertence ao grupo de pessoas que alegam não ter os rituais nenhum significado em nossas vidas?“, prosseguem as autoras, numa referência ao pensamento arraigado de que ritual seria uma prática excêntrica.
“Todo ser humano cultiva algum tipo de ritual, que em parte não lhe é mais consciente. Rituais dão segurança e parecem ter para cada um, individualmente, um significado mais profundo. Servem de guias para crianças e não muito raro lhes oferecem suporte, para que sejam capazes de mergulhar em certas atividades, consolidar experiências passadas ou se envolver em novas. Isso porque rituais carregam em si valores – de respeito, de tranquilidade, de contemplação, de gratidão, de satisfação“, complementam as autoras.
A palavra “ritual” pode nos dar a ideia de algo inflexível, enfadonho e até mesmo fora de moda, visto que passou a ser relacionada à religião, em práticas individuais ou coletivas. Contudo, ritual não é uma ação, e sim a forma de realizar uma ação. O que se chama de ritual é orientado por princípios, regras e normas cerimoniais, é constituído por elementos históricos que compõem a celebração e tem uma forma específica de simbolizar o conceito do rito. Em outras palavras: o rito é a lei, enquanto o ritual é a prática. O ritual cria um hábito que dá orientação, segurança, o que, por esse motivo, o torna sagrado – digno de respeito e de reverência.
Mas o que é um ritual?
Como ritual, descrevemos atos repetidos conscientemente, com a intenção de dar ao momento um significado, de ocupar um espaço ou dar um senso de localização no tempo. Ele se caracteriza por ter um padrão recorrente – é repetido sempre da mesma forma – e pode ser estruturado com aspectos rítmicos, orais ou outras expressões.
“Os rituais são atos simbólicos. Transmitem e representam os valores e os regimes que tornam coesa uma comunidade. Geram uma comunidade sem comunicação, enquanto o que predomina, hoje, é uma comunicação sem comunidade. Um elemento constitutivo dos rituais é a percepção simbólica. O símbolo (gr.: symbolon) significa originalmente o signo (tessera hospitalis) por meio do qual hóspede e hospedeiro se reconhecem. Um deles quebra uma tabuinha de argila, guarda para si uma metade e dá a outra como sinal de hospitalidade ao outro. Deste modo, o símbolo serve para fazer o reconhecimento", expõe o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Berlim e autor de ensaios e críticas à tecnologia, em seu livro “Do Desaparecimento dos Rituais” (Editora Suhrkamp, Berlim, 2019).
Reportando-se ao escritor Hans-Georg Gadamer, para quem, “no re-conhecimento, o que se passa sempre é que se conhece mais propriamente do que foi possível na momentânea confusão do primeiro encontro", pois o re-conhecer capturaria o permanente no fugaz, Byung-Chul Han acolhe o conceito de que a percepção simbólica percebe o duradouro, e isso seria o que falta muito ao mundo de hoje. “Dados e informações carecem de força simbólica. Logo, não permitem reconhecimento. No vazio simbólico, as imagens e as metáforas geradoras de sentido e fundadoras de comunidade que dão estabilidade à vida, perdem-se.”
Ele define rituais como técnicas simbólicas de instalação num lugar. “Transformam o estar-no-mundo num estar-em-casa. Tornam o mundo um lugar fiável. São no tempo o que uma habitação é no espaço. Tornam habitável o tempo. Mais, tornam-no vivível como uma casa é habitável”, tomando como referência Antoine de Saint-Exupéry, em seu romance "Citadelle":
E os ritos são no tempo o que a morada é no espaco. Pois é bom que o tempo que transcorre não nos dê a sensação de que nos gasta e nos perde, como ao punhado de areia, mas nos realiza. É bom que o tempo seja uma construção. Assim vou de festa em festa, de aniversário em aniversário, de vindima em vindima, como quando era criança e ia da sala do conselho à sala do repouso, na vastidão do palácio do meu pai, onde todos os passos tinham sentido.
As coisas são polos estáticos estabilizadores da vida. Essa mesma função cumprem os rituais. Estabilizam a vida gracas à sua mesmidade, à sua repetição. Tornam a vida duradoura, enfatiza Byung-Chul Han. Ao analisar sua obra, em um dos webnários apresentados no Youtube, a doutora em filosofia Maria Pereda chama à atenção: “Na sociedade em que vivemos, do efêmero, do descartável, quando estamos o tempo todo com o novo, o novo, o novo, não há reconhecimento e perde-se o retorno a uma origem, à possibilidade de ver o mesmo de uma maneira nova e de descobrir no mesmo mais coisas misteriosas”.
A engenharia sociocultural que está sendo feita através da tecnologia, na visão de Pereda, conduz a sociedade a perder o sagrado e a tornar-se totalmente profana. “Ao se tomar como exemplo as atuais normas sanitárias, devido a uma pandemia” – pondera – “as pessoas são mantidas isoladas, impedidas de praticarem seus ritos, de cultuarem o seu próximo, eliminando um sentimento coletivo”.
Várias irmandades desenvolveram rituais ao longo de sua existência, utilizando-se de sistemas de ciclos (solstícios, equinócios), sistemas numéricos, astroteológico, inclusive o conhecimento de energias da natureza. Acredita-se que, por essa razão, tenham sobrevido e tornado-se influentes, poderosas. Elas descobriram que repetições fazem com que a atenção se estabilize e se aprofunde, criem eixos de ressonância, que se estabelecem socioculturalmente.
Por que crianças precisam de rituais?
As criancas gostam de repetições, porque lhes dão uma moldura de proteção para explorar um mundo desconhecido. É a forma pela qual elas aprendem mais facilmente, e é, também, nada menos do que a forma de acionar o nosso sistema neuronal. É necessário que haja a repetição de uma atividade, que segue sempre o mesmo padrão, para que as células nervosas (neurônios) possam armazenar os dados que servem para a aquisição de habilidades.
Um exemplo muito comum é o da autoescola. Nas primeiras horas de aprendizagem, as pernas tremem ao pisarmos no pedal e encontrarmos o ponto da embreagem (o jogo dos pés para manter a aceleração, sem pisar no freio com o carro parado, e não deixar o motor morrer) e as tarefas exigem concentração. Com o tempo, acionar a embreagem e, sem esforço, acelerar, trocar a marcha, ficar atento ao trânsito e ainda conversar com quem está sentado ao lado, tornam-se atividades mecânicas e banais.
“O princípio é o mesmo para adultos e crianças. A diferença é que, enquanto o cérebro de um adulto já foi estruturado, o bebê começa do zero. Um grande universo vem ao encontro dele todos os dias. Cada objeto, cada palavra, cada movimento, é novo e único. Essas inumeráveis, confusas impressões sensoriais precisam primeiramente ser classificadas“, ressalta Sabina Pauen, psicóloga do desenvolvimento da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, em seu artigo De novo, de novo! Como bebês aprendem através de repetições. “Mas não é preciso motivar um bebê para tal. Eles são aprendizes natos. Eles exercitam tanto até adquirirem a habilidade ou terem entendido o mecanismo, sem medo de falhar, e se mostram persistentes. Tão persistentes que chegam a irritar os pais”, acrescenta.
Como descrito, o ritual está ligado ao mecanismo do cérebro humano. Estudos mais recentes defendem que, no tocante às crianças, ele reduz a ansiedade, os medos, fomenta a independência, a habilidade de se concentrar e melhora o aprendizado.
Sugestões de rituais para o dia a dia da criança
CHAME-A PELO NOME PRÓPRIO
Todos temos um nome. Ele está, juntamente com a pátria (lugar associado ao acolhimento e ao qual a pessoa se sente pertencida) e à missão (tarefa que faz a pessoa se sentir útil e lhe dá a sensação de “poder algo”), entre os três primeiros desejos do ser humano, segundo teólogos. O nome é elemento de individualização e de identificação de uma pessoa, um animal, um lugar, uma coisa ou mesmo um coletivo. Quando alguém nos chama pelo nome, nossa alma recebe um CHAMADO. Todo nome tem uma história e há uma razão pela qual o recebemos.
“O maior elogio, portanto, que se pode fazer a alguém é chamá-lo pelo próprio nome. O som do seu nome desperta a sua sentinela emocional. Abordar uma pessoa pelo primeiro nome tem uma influência emocional positiva e fortalecedora. Além disso, as pessoas se orgulham tanto de seus nomes e sobrenomes que gastam fortunas para vê-los estampados em fundações, edifícios e negócios (...) Muitas lutam muito para perpetuar o nome de seus antepassados em livros, museus, escolas, ruas, praças e edifícios”,cita Elaine Dias, mestra em Administração e formadora de analistas comportamentais (ISI INFINITY, 2020).
Ela recorda o cantor americano Jim Croce, que eternizou princípios da psicologia em suas canções, como I Got A Name (Eu Tenho um Nome), expressando o orgulho de ter um nome e de este nome estar relacionado com o histórico familiar. Analogamente, na música, o cantor e compositor britânico Seal, de origem brasil-nigeriana (seu pai era brasileiro), deu ênfase ao valor do nome, clamando romanticamente à sua fonte de inspiração, em Love is divine: Give me love, love is what I need to help me know my name (Dê-me amor, amor é o que preciso para descobrir meu nome).
Sob essa ótica, é bom tomar cuidado com o uso de apelidos, abreviaturas e diminutivos, pois sufixos como “inho”,“inha”, “eco”, “icha”, “zinha” ,“zinho” possuem funções diferentes e, dependendo do modo como sejam empregados, expressam afetividade, modéstia e até ironia ou desprezo. O grau diminutivo estabelece uma relação de pequenez e a criança pode, ao longo do tempo, desenvolver um sentimento de incapacidade na tomada de iniciativa. Além do que, o Joãozinho, de hoje, será um Joãozão, amanhã.
SINALIZE QUE A PRESENÇA DELA FOI PERCEBIDA
Cumprimentos são gestos ou palavras de cortesia, dirigidas a alguém para demonstrar respeito, dedicar atenção e mostrar consideração. Por isso, aconselha-se fazer o cumprimento olhando nos olhos. Esses atos estão culturalmente incorporados no cotidiano e são manifestados, em sua maioria, no primeiro encontro entre as pessoas, ou durante o dia, bem como em despedidas e felicitações.
“Gruß Gott“, assim como suas variantes, é uma saudação comum no sul da Alemanha e na Áustria. A expressão é a forma abreviada das expressões Grüße dich Gott e Grüße euch Gott ("Que Deus te/vos saúde"). O verbo grüßen, originalmente, tinha um significado semelhante a segnen (abençoar), mas, com o tempo, passou a ter o significado de “cumprimentar”.
“Namastê”, para citar outro exemplo, é um cumprimento usado principalmente na Índia e no Nepal por hindus, sikhs, jainistas e budistas, com as duas mãos sendo pressionadas juntas, as palmas tocando-se, e os dedos apontando para cima, na frente do tórax e com uma ligeira curvatura do corpo. Realizado em silêncio, o gesto tem o mesmo significado: “curvo-me diante de ti” ou “o divino em mim, reconhece o divino em você“.
Independentemente da cultura, a intenção é clara: gerar na pessoa uma sensação de bem-estar, sinalizar que foi notada. Mantendo o costume de cumprimentar, você estará despertando na criança o ânimo de reproduzir a atitude, porque, como já foi conceituado, “cumprimento também pode significar o ato de cumprir, que é tornar efetivo o que foi determinado, ou aquilo que nos obrigamos perante nós mesmos, caso contrário ficaremos sujeitos a um ônus“. O ônus, entendo, da desconsideração.
SITUE A CRIANÇA NO TEMPO E NO ESPACO GEOGRÁFICO
Em muitos lares, já se acorda ouvindo referências sobre o momento presente: a de que seria dia útil (da semana), fim de semana, feriado, da celebração de alguma santidade, enfim. Uma conversa com a criança sobre o calendário (dia, data, mês e ano), ajuda a fazê-la situar-se no tempo e no espaco.
O objetivo não é o de informar simplesmente, mas o de aguçar a sua imaginação. Pergunte para ela e ajude-a a responder (se ontem foi dia 10, então hoje é dia...; se ontem terminou o mês de março, então hoje começou o mês de...; estamos no mês do aniversário de (cite um conhecido dela), que é o mês de...; e seguimos no ano de dois mil e...). Se considerar conveniente, apresente uma referência histórica, como faz o jornalista Alexandre Garcia, diariamente, em seus vídeos: "Nesse dia, nasceu ... ou ocorreu" tal fato - algo de importância no bairro, na cidade, no país, no mundo. Ou, sendo a família religiosa, reverencia-se a data por ... (citar a razão).
Mostre de tempos em tempos à criança como é a Terra: continentes, oceanos, países, limites etc., com o auxílio do globo terrestre ou do mapa-múndi (que é a representação da superfície da Terra em um plano) para que, aos poucos, ela entenda e aprenda a conceber o próprio espaço. Há brinquedos didáticos, livros e jogos disponíveis sobre o tema. “Viaje“ com a criança por meio deles, identificando o país, o estado e a cidade onde vive, conversando sobre as características, como também aspectos que os diferenciam de outros lugares.
INSPIRE SUA CRIANÇA A SER GRATA
Abrir os olhos todos os dias e sentir-se vivo pode ser uma chance ou uma penitência, dependendo da perspectiva. Se se considerar uma oportunidade de recomeçar, então se terá mais motivo para agradecer do que para reclamar. Mas, agradecer a quem?
O exercício da gratidão não exige um interlocutor real ou imaginário. Ao contrário, cabe em ambos. A companhia daqueles que nos acompanham na jornada, a experiência com uma divindade sublime ou a crença em sua existência convoca ao exercício. Existem muitas coisas pelas quais podemos ser gratos em nossa vida, a começar por tudo o que nos permitiu chegar até o presente dia, pela chance de acordar e poder perseguir um sonho, pela saúde física e mental, pelo alimento de cada dia e pela morada, por “dar à luz”, trazendo alguém ao mundo.
Frases curtas dirigidas à criança, com alegria, como: “Bom dia, que bom que você acordou!” ou “Obrigada por estar aqui e fazer parte da nossa vida”, são também formas simples de inspirar a gratidão.
ABENÇÕE SEU FILHO, INCENTIVE-O A EXPERIENCIAR O SAGRADO
“Palavra do século XII que significa ‘ato ou ato ou efeito de abençoar‘, oriunda do latim benedictionis, ‘bênção‘ equivale a ‘bendição‘ – isso mesmo, o oposto de ‘maldição‘ – e ganhou na linguagem informal brasileira do século XIX essa forma apocopada e desnasalizada, como diz o Hoauiss: ‘bença‘ ." (A FONTE DE INFORMACAO.COM). Em outras palavras, a bênção é a invocação de uma graça, constitui um desejo benigno para alguém ou para um grupo, e seria dada por Deus.
O hábito de abençoar o seu filho, portanto, com gestos ou palavras (no passado, os mais novos pediam a bênção dos mais velhos, quando se deparavam com eles) e de reservar tempo para estabelecer com ele uma conectividade com a Fonte Criadora ou consigo mesmo, tem importância - não para que ele adquira fé, medo, obediência, mas para que receba o influxo de abrir-se à experiência do sagrado.
“O sagrado é a conexão com mais ‘porções’ de você mesmo e não com uma ‘porção’ específica, que manda e você deve obedecer, para não ser punido. O sagrado não é ato de sacrifício, nem uma relação de troca, uma barganha. Encontrar o sagrado é encontrar uma ‘porção conectiva’ e não uma dominação restritiva e impositiva”, enfatiza a professora Maria Pereda. Lecionando sobre a história da Humanidade, ela ilustra em seu curso a possibilidade de civilizações, num passado não muito distante, terem adquirido esse conhecimento, perdido-o em épocas, resgatado-o em partes, e depois tê-los distorcidos, principalmente – embora não apenas – através das religiões.
Essa conectividade com a “Divindade” - entendida sob o nome e representação que lhe queiram dar - ou com o “Eu Superior”, assim comumente denominados, pode ser cultivada de diferentes maneiras. A prece (repetição de versos) ou a oração (prédica ou clamor espontâneo), o ato de recitar mantras, de entrar no silêncio, focando-se no momento presente e usando-se de técnicas de respiração, são práticas meditativas que geram benefícios. Não só conduzem a um estado de clareza mental e emocional, como contribuem para se atingir propósitos. Além do que, reconhecer-se parte, ‘porção’ de um Todo e crescer num ambiente em que a existência de uma força transcendental seja reconhecida, inspira o desenvovimento de virtudes como a humildade, que possibilita à pessoa reconhecer suas próprias limitações.
CONDUZA O SEU FILHO À CONTEMPLAÇÃO
Diz um ditado que “a lição do futuro existe na contemplação do passado”. E uma frase de Edmund Burke adverte: “O povo que não conhece a sua história está destinado a repeti-la”. Escapando-nos a chance de olhar , de forma profunda, percebendo o movimento -, tudo vai se tornando sistêmico, automático. E a análise da conjuntura torna-se bastante complexa depois.
Crianças são, por natureza, curiosas. Elas cavam e encontram “tesouros”. É preciso fomentar nelas esse olhar nada custoso, dar-lhes tempo para fuçar. Já foi constatado que a elevação de pensamento ou estado de concentração numa atividade, a que chamamos de contemplação, pode levar ao mesmo estado de relaxamento proporcionado pela meditação.
Aqui estão sugestões de exercícios que você pode realizar com o seu filho para instigar nele uma visão mais profunda das coisas:
contemplar um lago, um córrego, um rio, que flui nas proximidades. O hábito o levará a descobrir todo dia uma diferença, seja na água, na vegetação, no entorno.
contemplar o mar, as ondas, captando seus sons, identificando a linha do horizonte (ele poderá observar que, quando os barcos dela se aproximam, começam a desaparecer do seu campo de visão);
contemplar o céu, o voo dos pássaros, o nascer e o pôr do sol, as estrelas;
contemplar a planta que cresce dentro de casa, a árvore no jardim, acompanhando sua nova folhagem, as flores e o amadurecimento dos frutos;
contemplar periodicamente a mesma paisagem, o mesmo cenário, o mesmo quadro, de preferência de diferentes perspectivas. Novos elementos sempre serão descobertos.
CEIE COM A CRIANÇA
Apreciar um prato ou uma bebida e sentar-se à mesa com a família são hábitos que, no mundo moderno, foram abolidos em muitos lares. Apesar de longas jornadas de trabalho, o apelo que se faz aos pais é de que administrem de melhor maneira o tempo para integrar esse momento de cuidado primário de saúde. “Comer em família é um ritual que nos aproxima e nos ensina sobre convivência. Nessa partilha olho no olho, não deixamos a afetividade esfriar“. Assim abre Leandro Quintanilha seu artigo sobre o assunto, no Blog VIDA SIMPLES. “Refeições em família têm mesmo um pouco disto: combinam conversas triviais com assuntos importantes, intimidade com estranhamento, risadas e discussões (...).“
As crianças podem dar sua contribuição, participando da elaboração do cardápio semanal, do preparo das refeições, ajudando a servir e a arrumar a cozinha. Vale observar que tornou-se comum pais persuadirem os filhos a comer o que foi preparado, quando eles se recusam até mesmo a provar. Se você é um desses pais, em vez disso, procure envolver a criança na organização. Quando ela participa da escolha dos alimentos e da montagem dos pratos, fica mais inclinada a apreciá-los. Informe-lhe sobre os ingredientes, leve-a às compras, explique o modo e tempo necessário para a composição e observe o impacto que tudo lhe causa.
Se ainda assim ela continuar se recusando, não insista, nem a obrigue – é provável que o tipo de alimento não lhe faça falta ou que seu valor nutricional possa ser substituído. Por outro lado, se ela desejar experimentar, permita que o faça sozinha, incentivando sua independência e, se necessário, ajudando a porcionar. Se for servi-la, coloque no prato dela apenas aquilo a que ela der aval. Frutas, verduras e legumes crus, pães, sopas podem ser, à mesa, uma alternativa ao prato principal.
No “Dossier: Gemeinsam essen – gesund ernähren” (Dossiê Comer juntos – alimentar-se saudavelmente), da revista alemã Kleinstkinder, a fonoaudióloga Evelyne Schüttler-Hauck adverte que é recomendado adotar poucos rituais no momento das refeições. No entanto, ao aderir a eles, deve-se fazer de maneira clara. Há uma série de exemplos sobre costumes em volta da comida e, o que melhor se encaixa, cada instituição deve descobrir para si, diz ela. Aqui estão as suas dicas:
Antes das refeições:
Arrumando a mesa: Crianças menores podem fazer a sua parte, ajudando ou colocando pratos e utensílios para bebiba. Isso reforça sua autoconfianca, faz dela uma parte equivalente da comunidade, treina-a para uma visão completa e complexa do curso da ação: Há pratos para todos na mesa? Todos têm um recipiente para beber? Os talheres já foram colocados?
(Ao que complemento: nessa fase de desenvolvimento da autonomia, crianças mais jovens querem colocar a comida no prato. Servir-se, às vezes, torna-se um exercício mais prazeroso do que comer. Ainda que causem algum prejuízo, elas devem, devagar, aprender a avaliar peso, daí o uso e manuseio de pratos de cerâmica, porcelana e copos de vidro serem inclusive para elas recomendados.)
Preparando os pratos: O preparo da refeição ou de uma parte dela, em conjunto, abre o apetite para degustá-la no final com os demais. Isso reforça o espírito de união do grupo e mostra a cada um, individualmente, que ele é importante. Crianças pequenas podem, por exemplo, decorar o prato de verduras ou legumes crus com flores comestíveis.
(Ao que complemento: aqui deve-se tomar cuidado, pois nem todas as crianças conseguem distinguir e, posteriormente, podem achar que toda flor é comestível. Assim como plantas, existem flores venenosas.)
Lavar as mãos: O ato de lavar as mãos antes da refeições é importante e não deveria ser apenas um ritual, mas uma regra de higiene. Ao mesmo tempo, simboliza o início de uma nova etapa do dia.
O anúncio da hora de comer – Um sinal (por exemplo o tocar de um sininho ou uma canção) chama à mesa. Deixe claro que a comida será servida. A tarefa de chamar a atenção de todos pode, naturalmente, ser assumida pela criança.
Decoração da mesa - Uma mesa posta adequadamente já é em si um convite. Isso também funciona com os objetos mais simples, por exemplo com pratos e copos idênticos (eu diria, ou mesmo diferentes) ou um vaso com uma pequena flor. Também aqui crianças mais novas podem já cedo ser envolvidas. Uma tarefa à parte para as crianças mais velhas poderia ser a de colocar algo belo, aos seus olhos, sobre a mesa.
Durante as refeições:
Rimas ou oração – Um verso, uma parlenda ou curta oração pode ser o sinal de abertura. Gestos apropriados apoiam a ação simbólica tátil-cinestésica. Crianças aprendem e experimentam seu ambiente por meio dos sentidos e podem, através dessas situações, entendê-lo e ordená-lo mais facilmente.
(Àqueles que desconhecem o termo, a ação tátil-cinestésica é aquela conceituada como a capacidade da pele de fornecer ao sistema nervoso central, através dos receptores sensoriais, informações organizadas de estímulos externos. Sob esse processo, a pessoa pode evocar o gosto de um doce ao ouvir ou escrever o nome dele. Diz-se do estímulo que teria origem no mesmo local do qual outro impulso sensorial teria procedência, daí os sentidos se confundirem em determinado momento.)
Início e fim – Comece as refeições em conjunto, com um ritual, e permita que as crianças comam juntas. Menores de até três anos de idade permanecem quietos, em média, por apenas 15 minutos (REMO LARGO, 2007). Querer alcançar a meta de que todos deixem a mesa no mesmo momento só desgasta, desnecessariamente, os nervos de todos e conduz, em consequência, a um tempo prematuro para sustentar o efeito de aprendizagem. Não obstante, crianças pequenas percebem a existência de atitudes que são valorizadas.
Deve-se incentivar a criança a permanecer sentada até que tenha terminado de comer. Com o tempo, e à medida que ela vai crescendo, essa regra pode ir se expandindo, até que para ela seja possível aguardar para se levantar no momento em que a refeição tenha terminado. Então, pode haver também um ritual em conjunto para o final da refeição.
(Ao que complemento: permita à criança escolher um lugar ou ter o seu próprio lugar reservado à mesa, o que lhe dá seguranca. Oriente seu comportamento sem repreendê-la, dando tempo para o desdobramento de sua coordenação motora, de modo que ela, por exemplo, passe a fazer o uso dos talheres quando estiver apta, sem ser forçada.)
Boas maneiras - Aqui, novamente é colocado em questão sobretudo o comportamento dos educadores, que lhes servem como modelo para que, em algum momento, aprendam a dizer por iniciativa própria: “obrigado” “por favor” e “bom apetite!”
Após as refeições:
Depois de comer, cada criança, tanto quanto pode, deve levar seus utensílios (prato, talheres e copo) até a pia ou local correspondente. Elas sentem grande prazer em desempenhar tarefas de adulto e com isso ter a sensação da sua competência pessoal.
São tão-somente sugestões. Possivelmente, o seu ritual preferido com o seu filho seja o de acompanhá-lo no banho, de levá-lo ou apanhá-lo na escola, de contar uma história para ele adormecer ou, quem sabe, levá-lo periodicamente a um local significativo. Seja qual for, que ele seja feito com desvelo e permeado de amor – não o amor entendido como um sentimento, mas “como um ato da vontade, capaz de resisitir a todas as intempéries. O amor é uma promessa de eternidade, de profundidade, de intensidade, de integridade”, conforme define o professor de filosofia Victor Sales, (CINECAST, BRASIL PARALELO, 2022).
Referência:
LANGLOTZ, Christel; BINGUEL, Bela. Kinder lieben Rituale. Münster, Alemanha: Ökotopia Verlag, 2008.
HAN, Byung-Chul. Do desaparecimento dos Rituais. Berlim, Alemanha: Editora Suhrkamp, 2019.
PEREDA, Maria. O Poder do Ritual das Sociedades Secretas – Aula 2/5 – Semana da Libertação da Consciência. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3aE36nkPi54/
Nochmal, nochmal! Wie Babys durch Wiederholungen lernen (tradução em português: “De novo, de novo! Como os bebês aprendem através das repetições”). FAMILIE, 2017. Disponível em: www.familie.de/kleinkind/wie-das-baby-durch-wiederholungen-lernt/
DIAS, Elaine. O maior elogio que pode ser feito a alguém. ISI INFINITY, 2020. Disponível em: https://isiinfinity.com.br/o-maior-elogio-que-pode-ser-feito-alguem
CROCE, Jim: I got a Name. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3_3YYsLkG6E
SEAL (Henry Olusegun Adeola Samuel). Love is divine. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9IimOmY5ldk
A FONTE DE INFORMAÇÃO. O que significa receber uma benção? Disponível em: https://afontedeinformacao.com/biblioteca/artigo/read/87265-o-que-significa-receber-uma-bencao
QEIROZ, Yago Araújo. Benção. DICIONÁRIO INFORMAL, 2010. Disponível em: https://www.dicionarioinformal.com.br/ben%C3%A7%C3%A3o
QUINTANILHA, Leandro. Refeições em família: sobre o poder das relações à mesa. VIDA SIMPLES, 2021. Disponível em: https://vidasimples.co/conviver/refeicoes-em-familia-sobre-o-poder-das-relacoes-a-mesa
REVISTA KLEINSTKINDER, DOSSIER GEMEINSAM ESSEN–GESUND ERNÄHREN: Neulinge am Esstisch. Edição 06. Freiburg, Alemanha: Herder Verlag, 2009.
Sentimentalismo tóxico no cinema | Red Pill com Victor Sales e Danilo Cavalcante. BRASIL PARALELO, 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pKxdlWDdVG0
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